Se o Voraz falasse...


(Quando o primeiro carro do meu filho foi vendido,ficamos tão tristes... Parecia que um ente querido havia partido. Para desabafar e desafogar o pranto contido escrevi:)

Em 1.978 começou minha trajetória pelo mundo.

Eu não existia, era um amontoado de peças, uma em cada lugar da fábrica... Fui comprado num Consórcio. Pagamento suado mês a mês, despesa apertada. Meu dono assinou uns papéis e me encomendou para julho de 1.983. Eu seria o presente para seu filho quando ele fizesse dezoito anos...
Na fábrica, fui montado, peça por peça, passava de mão em mão, cada uma dando um retoque para que eu saísse o mais bonito possível. E, dia 28 de julho de 1.983, fui levado para o filho do meu dono, que fazia dezoito anos e já podia me dirigir. Fui recebido com aquele clima de festa: zerinho, cheirando a tinta, como dizem. Era elogiado por todos os amigos e parentes. Segui com meu real dono, ou seja, meu irmão, pois era assim que o sentia. Acompanhei sua carreira de Universitário, corridas extensas até a Pampulha, com sol, com chuva, às vezes com caronas, outras, só nós dois... Foi uma época de luta... Tinha também os

momentos de paquera! Legal! Eu vibrava com ele naqueles momentos! Quantas juras de amor escutei e presenciei. Eu era mesmo o seu confidente, pois, quando sozinhos, a gente conversava, trocava idéias... De vez em quando ele me deixava na garagem, para sair no Monza do pai, mais bacana, mais novo... Eram momentos de tristeza para mim, mas a semana começava e nós dois na luta pela vida... Ele ganhou um Monza zerinho, 89/90 e eu passei a ser somente instrumento de trabalho.

Os passeios e as paqueras... eu já não via, mas compreendia, já que era normal. Eu já estava

ficando cansado e velho, e ele, cada vez

mais jovem e bonito.
Entretanto, a minha vida continuava boa.

Saia com ele toda hora, ia para o prédio que estava construindo, saia algumas noites. Era lavado todas as semanas, como os outros. Ontem, 07-02-92, não saí da garagem. Vi chegar um outro, bem mais novo e sadio. Fui colocado em um canto diferente. Pensei:
“O que será que aconteceu?”.
Cedo, tomei meu banho semanal e fiquei tinindo novamente.
Depois chegou um rapaz, começou a me examinar, apertar, ligar, acender o farol, examinar o freio, porta malas, tudo...Assinaram uns papéis, trocaram chaves, conversaram e eu só espiando... O outro rapaz me pegou e saiu comigo para outro local. Agora estou num pátio grande, cheio de carros diferentes.

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