SE AS COISAS FALASSEM


Fico pensando comigo como seria o mundo, se as coisas falassem. Tal pensamento me passa pela cabeça, quando olho para um “toquinho” de lápis,

o primeiro, que me foi dado por meu pai
Por que terei guardado essa lembrança? Será que naquela época, 1.945, eu tinha noção do que é preservar algo, para recordar no futuro?
Ou será que algo me avisava que perderia

logo meu pai e, então, aquele lápis seria mais

uma lembrança? Não sei... Eu era tão pequena!!!
Olhando para ele, hoje, recordo-me do meu primeiro ano Primário.

Quantas emoções esse lápis viveu comigo?
Com ele aprendi minhas primeiras palavras:

B+A= BA, Papai- Mamãe- Vovó.
Há muitos anos ele está guardado. Por que será?.

Eu mesma não sei explicar. Aposentei-o antes que acabasse. Se ele falasse, por certo diria: “- Fizeram com você o que fez comigo. Por que não me deixou chegar até o final, cumprindo minha sina de escrever até acabar-se o grafite?

Será que você não queria ficar sem mim?
Desde 1.945 estou guardado entre suas coisas de menina, moça e mulher. De vez em quando abre a caixa de madeira, forrada de veludo, e me pega.

Eu vejo em seus olhos uma profunda tristeza, motivada pela saudade daqueles tempos em que íamos juntos para a escola. Naquela época sua família morava toda na mesma casa: pai, mãe,

Didi, Bimbo e Gorda. Era uma casa animada. Tocavam piano, cantavam. Depois que fui guardado, raramente vejo o que acontece. Fico entre suas jóias. Não sei se foi melhor para mim ficar aqui, entre relíquias ou ter-me acabado como todos os meus irmãos...Também não sei dizer.”
“-Ah! Meu lápis querido, eu o entendo, nesse relato que fez da sua vida. Garanto que o que fiz foi o melhor para você. Não sei porquê fiz, mas olhando-o, volta à minha memória uma lembrança tão boa, que é misto de alegria e tristeza, pois percebo que aquele tempo bom jamais voltará.

E imagino comigo o verdadeiro poder das “coisas”.
Você, um pedacinho de madeira pintado de vermelho, com grafite preto, que me acompanha há trinta e seis anos, após alguns meses de luta.

Se você pudesse mesmo falar, quanta coisa boa teríamos para conversar com a geração de agora.
Mas só eu entendo você e dando asas à minha imaginação, escrevo o diálogo entre nós.
Quem vai acreditar? Quem terá percepção para entender a alma das coisas?
Ah!, se as coisas falassem...

   

Do livro Rosas e Espinhos- 1981

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